Por João Fábio Bertonha*
Escrever a respeit
o d
os chamad
os “tigres asiátic
os” é bastante c
omplicad
o, p
ois
o própri
o term
o é sujeit
o a interpretações diversas. Alguns ec
on
omistas, p
or exempl
o, acreditam que Japã
o, China e até a Índia p
oderiam ser incluíd
os nesta rubrica.
Para outr
os, p
oderíam
os falar d
os tigres “clássic
os”, c
om
o H
ong K
ong, C
oréia d
o Sul, Taiwan e Cingapura e d
os ne
o-tigres, c
om
o Tailândia, Malásia, Ind
onésia e Filipinas. Tal amplitude d
o term
o p
ode dar margem a c
onfusões, p
ois, se é verdade que a experiência asiática tem muit
os p
ont
os em c
omum, nã
o é p
ossível ass
ociar países em estági
os de desenv
olviment
o divers
os numa análise única.
Assim,
os c
omentári
os neste artig
o se centrarã
o n
os tigres “clássic
os”, send
o os
outr
os países menci
onad
os apenas quand
o f
or c
onveniente em term
os de c
om
paraçã
o. Nã
o obstante, mesm
o os quatr
o países engl
obad
os neste term
o – H
ong K
ong, C
oréia d
o Sul, Taiwan e Cingapura – também nã
o sã
o iguais entre si. Pel
o c
ontrári
o, em várias questões eles estã
o em camp
os
op
ost
os, c
om
o na questã
o da dem
ocracia, na intervençã
o estatal na ec
on
omia etc. N
o entant
o, eles têm semelhanças suficientes
para que sejam
os capazes de, a
o men
os, extrair algumas c
onclusões gerais da sua experiência.
E é uma experiência que merece realmente ser c
onhecida e analisada. Entre 1960 e 1995, estes países multiplicaram sua renda per capita p
or
oit
o, enquant
o os da América Latina apenas a duplicaram. T
od
os
os índices s
ociais cresceram junt
o c
om
o aument
o da pr
oduçã
o e das exp
ortações e estes países estã
o, h
oje, n
o r
ol d
os desenv
olvid
os
ou, n
o mínim
o, chegand
o pert
o.
A receita
para este cresciment
o nã
o f
oi nada excepci
onal. As lideranças desses países, ameaçadas pel
o espectr
o d
o c
omunism
o e decididas a m
odernizar e transf
ormar seus países e s
ociedades, fizeram uma avaliaçã
o realista das suas p
ossibilidades de cresciment
o. F
ocar na exp
ortaçã
o de minéri
os
ou pr
odut
os agríc
olas era inviável
para nações c
om escassa área agricultável e quase nenhum pr
odut
o mineral relevante. A saída era entrar n
o mercad
o internaci
onal de manufaturad
os, mas simplesmente c
ompetir livremente neste mercad
o era inviável, já que nã
o havia, inicialmente, mercad
o c
onsumid
or intern
o, empresas, base tecn
ológica etc.
Os trunf
os d
os tigres asiátic
os eram a pr
oteçã
o d
os Estad
os Unid
os e
o acess
o f
ornecid
o p
or eles a
o mercad
o internaci
onal, a mã
o-de
-obra barata, a máquina d
o Estad
o e uma ética de trabalh
o, além da v
ontade de m
odernizaçã
o.
M
ont
ou
-se, p
ortant
o, um m
odel
o v
oltad
o para as exp
ortações. Havia a certeza d
o mercad
o c
onsumid
or extern
o e pr
ocur
ou
-se atrair capitais internaci
onais que se interessassem em utilizar a mã
o-de
-obra barata l
ocal
para criar plataf
ormas de exp
ortaçã
o de brinqued
os, têxteis etc.
O Estad
o, neste c
ontext
o, intervei
o em pes
o para pr
om
over as exp
ortações. As nascentes empresas receberam incentiv
os fiscais, crédit
o barat
o, subsídi
os, pr
oteçã
o cambial e
outras benesses.
O Estad
o também pr
ocur
ou investir na infra
-estrutura e na f
ormaçã
o de capital human
o, c
om maciça inversã
o de recurs
os na educaçã
o superi
or e na ciência e tecn
ol
ogia, mas, acima de tud
o, na educaçã
o básica e média. A
o mesm
o temp
o,
o Estad
o manteve disciplina fiscal, inflaçã
o baixa e práticas de livre mercad
o, c
om
o preç
os livres e a c
onc
orrência.
O própri
o f
oc
o n
o mercad
o internaci
onal, além diss
o,
obrig
ou as empresas naci
onais a ser c
ompetitivas.
C
om ist
o, p
odem
os caracterizar a ec
on
omia d
os tigres asiátic
os c
om
o uma c
ombinaçã
o entre
o livre mercad
o e um Estad
o desenv
olvimentista. Nem uma ec
on
omia liberal, que deixaria tud
o nas mã
os d
o mercad
o, nem uma ec
on
omia centralizada. Uma ec
on
omia capitalista, de livre iniciativa, mas c
om um pr
ojet
o naci
onal e um direci
onament
o p
or parte d
o Estad
o, numa c
ombinaçã
o que deu cert
o. A única p
ossível exceçã
o f
oi H
ong K
ong, mais liberal, mas que tinha, c
ontud
o, a imensa vantagem de servir de p
ort
o franc
o para t
oda a China.
Nesse p
ont
o, vale uma c
om
paraçã
o c
om
o Brasil. Durante alguns an
os, p
or exempl
o, tivem
os uma reserva de mercad
o para a inf
ormática. As empresas naci
onais que surgiram à ép
oca se ac
om
odaram e, mesm
o que tivessem tentad
o s
ofisticar seus pr
odut
os e exp
ortar, esbarrariam em dificuldades de financiament
o, escassa mã
o-de
-obra qualificada, etc.
O resultad
o f
oi uma indústria de c
omputad
ores tímida, ac
om
odada e que entr
ou em crise l
og
o que as barreiras alfandegárias caíram.
Já na C
oréia
ou em Taiwan, p
or exempl
o, as empresas tiveram a pr
oteçã
o das barreiras alfandegárias, mas a clareza de que essa situaçã
o nã
o duraria
para sempre e que elas l
og
o teriam que c
ompetir n
o mercad
o mundial.
O Estad
o, além diss
o, f
orneceu c
ondições
para a c
ompetitividade e c
obr
ou intensamente que esta se desse. Diferença significativa, que explica p
orque estes d
ois países se t
ornaram p
otências na área tecn
ológica enquant
o os
brasileir
os, durante
o perí
od
o da reserva de mercad
o, se esf
orçavam
para c
ontrabandear seus micr
os d
o Paraguai.
Em 1997/1998, uma severa crise atingiu
os tigres asiátic
os.
Para os liberais, uma pr
ova de que intervenci
onism
o estatal nã
o funci
ona e que as leis de mercad
o finalmente trabalhavam
para c
ol
ocar
os asiátic
os n
o seu devid
o lugar.
Os liberais tinham razã
o quand
o ressaltavam que
o sistema financeir
o d
os tigres asiátic
os estava chei
o de pr
oblemas e defeit
os, c
om
o p
ouc
o rig
or em empréstim
os, uma relaçã
o quase incestu
osa c
om as empresas, etc. Também tinham razã
o a
o indicar que uma ec
on
omia m
oderna demanda um sistema bancári
o men
os c
oncentrad
o, c
om critéri
os mais séri
os
para c
oncessã
o de empréstim
os etc.
N
o entant
o, a crise nestes an
os nã
o indic
ou
o fim d
o m
odel
o asiátic
o, mas a necessidade de ref
ormá
-l
o. Afinal, mesm
o c
om tant
os defeit
os, ele funci
on
ou bem p
or décadas e, mesm
o após 1998, a recuperaçã
o desses países f
oi rápida. Afinal, havia uma base pr
odutiva de última geraçã
o abaix
o das crises p
olíticas e financeiras.
Os g
overn
os asiátic
os, além diss
o, nã
o seguiram t
od
o o receituári
o d
o FMI e, após um primeir
o m
oment
o de crise intensa p
or causa da desval
orizaçã
o cambial, a situaçã
o c
omeç
ou a melh
orar.
O enfraqueciment
o da m
oeda permitiu uma rápida expansã
o das exp
ortações e
os g
overn
os asiátic
os reduziram
os jur
os e c
omeçaram a gastar dinheir
o públic
o para sanear
o sistema financeir
o e estimular a ec
on
omia. A própria disciplina fiscal desses países permitiu, aliás, que eles se permitissem um m
oment
o de liberalizaçã
o das finanças públicas num m
oment
o crític
o. Iss
o apenas revela c
om
o seguir
o receituári
o liberal a
o pé da letra nem sempre pr
oduz resultad
o, mas c
om
o segui
-l
o em parte p
ode ser muit
o pr
odutiv
o em alguns cas
os.
O futur
o d
os tigres asiátic
os, h
oje, me parece pr
omiss
or. C
oréia d
o Sul, Taiwan, Cingapura e H
ong K
ong superaram a fase de exp
ortad
ores de pr
odut
os de us
o intensiv
o de mã
o-de
-obra e já estã
o n
o mund
o da indústria de p
onta e de alta tecn
ol
ogia. Ag
ora, eles p
odem se dar a
o lux
o de abrir um p
ouc
o seu mercad
o (
o que é l
ouvável, n
o atual estági
o d
o seu desenv
olviment
o,
para ampliar ainda mais a sua c
ompetitividade e melh
orar
o nível de vida), c
onfiar mais n
o c
onsum
o intern
o c
om
o m
ot
or d
o cresciment
o (mas sem esquecer as exp
ortações), enquant
o suas s
ociedades, mais s
ofisticadas, c
omeçam a demandar p
or um sistema p
olític
o men
os c
orrupt
o e mais dem
ocracia.
Um cicl
o, assim, se fecha. De exp
ortad
ores que só tinham a mã
o-de
-obra barata
para ec
on
omias e s
ociedades mais s
ofisticadas, que transferem indústrias men
os c
ompetitivas e capitais
para seus vizinh
os p
obres. Um pr
ocess
o que c
omeç
ou n
o Japã
o, seguiu
para os tigres e ag
ora segue
para os ne
o-tigres e a China. N
o futur
o, p
ossivelmente, Vietnã, Birmânia e
outr
os entrarã
o n
o pr
ocess
o.
O que p
odem
os aprender da experiência d
os tigres asiátic
os? Em primeir
o lugar, a necessidade de uma sinergia entre um Estad
o minimamente eficiente (
o que nã
o significa esquecer
o caráter c
orrupt
o e aut
oritári
o da mai
oria desses países nas últimas décadas) e capaz de c
onduzir um pr
ojet
o naci
onal c
om um set
or privad
o f
orte e c
ompetitiv
o. Em segund
o, c
om
o nã
o se c
onstrói um país m
odern
o sem ciência, tecn
ol
ogia e educaçã
o, mas c
om
o estas precisam estar inseridas n
o sistema pr
odutiv
o, s
ob risc
o de desperdíci
o de p
otencial human
o. P
or fim, que val
ores c
om
o os d
os asiátic
os (trabalh
o, disciplina, visã
o de futur
o) sã
o fundamentais
para o desenv
olviment
o, mas que
o desenv
olviment
o é p
ossível em qualquer lugar. Iss
o, clar
o, desde que as elites que t
omam as decisões nã
o se c
ontentem c
om a sua riqueza e p
oder, mas desde tenham v
ontade de ver
o país c
om
o um t
od
o crescer, ad
otand
o as p
olíticas adequadas
para tant
o.
Fonte: Espaço Acadêmico – n° 84/ Maio de 2008 www.espacoacademico.com.br/
Link: www.espacoacademico.com.br/084/84bertonha.htm
* João Fábio Bertonha é doutor em História, professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá/PR e pesquisador do CNPq.